terça-feira, 15 de dezembro de 2015

"Os Dias e as Sombras" de António Bica



[…]
Mas voltemos ao excelente escritor António Bica, um gestor agrícola corajoso, um jornalista combativo e interventivo, que tem lutado ao longo de toda a sua vida pelos problemas mais candentes da vida portuguesa, a Agricultura, os Baldios como forma de manter as populações rurais do Interior, o Meio Ambiente, a Florestação, a Educação, o Combate à Fome principalmente na Infância do Mundo Rural, a protecção dos filhos de pais incógnitos e, sobretudo, os autênticos valores que preservam o Homem da Corrupção, do Consumismo, das Prepotências e da Descriminação Racial.
Enfim, tudo tem sido motivo para o meu amigo António Bica alçar corajosamente o seu montante justiceiro e terçar armas em nome do Bem Comum.
Além do mais, sempre revelou uma cultura eclética, motivada pela experiência universitária, agrícola e militar, e pela sua sede de conhecimentos que lhe deu uma peculiar visão planetária do mundo, sabendo libertar-se de dogmas de qualquer espécie e de imposições de qualquer ordem. […]

E a sua prosa clara, rica e não rebuscada […] encanta sinceramente o leitor pois nunca pode ser vista como a mera e crua realidade dos costumes que descreve, mas sim como uma elegia à sã dimensão da vida rural, aos bons usos do campo que, no fundo, constituem uma salutar e acerada crítica aos maus hábitos da província que tanto amamos e ao egoísmo de alguns, que não se importando com as dificuldades alheias, não olham a meios para atingir os seus fins. E o julgamento de usos e costumes e de determinado tipo de personalidades com quem conviveu, são arquétipos correctores, na salvaguarda dos ideais que devem liderar os sentimentos e falas do povo, nunca abafando o romantismo que se desprende das páginas dos seus interessantes e por vezes dramáticos contos.

[…] Em todo este livro, António Bica, criticando violenta e sem piedade os erros do passado, desencadeia o desabrochar natural do sentimento e da cultura popular, expressando firmemente os seus anseios e afirmando os autênticos valores da Ruralidade e da Província Portuguesa.
E é a grande virtude de António Bica. Existe um permanente contrassenso na sua forma de escrever. O mais triste realismo acaba por ser emoldurado pela poesia que escapa naturalmente da sua maneira de ser fria e voluntariosa, mas compreensiva e boa em que o bem é apontado com alma e coração e o mal esconjurado sem dó nem piedade. O leitor vai dar-me razão quando ler as peripécias da cabrinha Jerica, que no seu desejo de mando, não gostava da história do lobo mau, mas que, no Natal, como consequência do seu difícil feitio, serviu de condimento ao assado da travessa da Consoada.

do prefácio de António Moniz Palme