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[…] dos
cenários descritos com pormenor acutilante, com realismo cru, com exactidão
pictórica, com rara sensualidade nua de margens, com emoção à flor da carne.
Encetei uma viagem por dois continentes que o mar, ao invés de os separar,
uniu. Nas diferenças. Nas peculiaridades. Nas vivências e nas tradições.
Precisão cirúrgica, esta, em que a abordagem a temas nucleares, ainda que em
territórios distintos, oscila entre a disforia e a euforia da acção em que
decorrem. A urbe e o interior, a mata e o campo, a aldeia e o quimbo, a casa
senhorial e a cubata, a fazenda e a courela, convivem num paralelismo em que a
destruição da guerra e a destruição da míngua, o estrangulamento das convenções
e o preconceito, os anos cinzentos de proibições absurdas e insidiosas, são
unos no coarctar do pensamento livre e do livre arbítrio do acto.
[…]
As cores ocres, exuberantes, de África fundem-se com as cores
mornas, sejam os azuis, os verdes, o branco, o tom escuro e frio da pedra, de
Portugal. A capacidade tradutora do autor encontra-se a cada palavra, a cada
frase, a cada diversificação conteudística. Encontro-me, nesta viagem, com
personagens pulsantes de vida, de dor, de discreta e momentânea alegria, de
sorrisos escondendo lágrimas e de espíritos atormentados por uma panóplia de
razões que talvez a própria razão desconheça. É corpóreo o sentimento de
solidão, de desesperança, de sofrimento, de insegurança. Mas é igualmente
corpóreo o momento da entrega, da consumação dos corpos num amor feito de
angústia, de desespero, mas de total libertação dos instintos mais recônditos,
mais subtis ou mais violentos, ora transbordantes de inesgotável ternura ora da
indiferença que fere em igual medida. A desilusão moribunda magoa tanto como a
ilusão que nasce. Mas o autor dirime os momentos de maior dureza com uma
imagética de beleza e originalidade únicas, com o avivar de um léxico quase
esquecido na oralidade apressada do hoje.
[…]